sábado, 20 de novembro de 2010

O nosso Dia da Verdade...

O nosso dia da verdade

 O menino estava com 6 anos e eu não sabia o que fazer. Por um lado ele não podia ficar mais tempo no infantário, por outro lado não o podia matricular numa escola dita normal. Estávamos nas férias de Verão e eu andava muito nervosa e agitada com esta situação. Foi então que os meus pais receberam a visita de uns amigos de Lisboa. Também eles tinham um filho com deficiência, já adulto. Esse filho era o responsável pela ida da família para Lisboa, à procura de soluções para um futuro melhor. Então a senhora perguntou se eu não gostaria de levar o Hélder ao centro de reabilitação do Alcoitão para uma consulta. Concordei no mesmo instante. Ela foi para Lisboa e marcou a consulta quase de imediato.
Assim, dia 22 de Setembro fomos a Lisboa.
No centro de reabilitação de Alcoitão recebeu-nos uma equipe de especialistas composta por pediatra, neurologista, fisiatra, psicóloga e assistente social. Passamos a manhã com todos estes profissionais, cada um por sua vez. Combinaram para o período da tarde a conclusão das consultas.
Fomos almoçar e voltamos. Connosco estava a amiga dos meus pais, o seu filho e a madrinha do Hélder.
Chegada a hora voltamos para a consulta. Juntas vieram a pediatra e neurologista, ambas concluíram que o Hélder estava a ser bem seguido e que nada mais se poderia fazer para melhorar o quadro clínico. Foi reconfortante saber que fizemos tudo que podíamos até á data.
De seguida veio a médica fisiatra, que deu algumas sugestões sobre o que se poderia fazer para melhorar a autonomia do Hélder, especialmente os movimentos da mão direita, que ele havia perdido aquando das primeiras convulsões (Crises epilépticas focais motoras direitas).
A assistente social deu-nos alguma informação sobre os apoios da segurança social a que o Hélder tinha direito, os quais nós desconhecíamos. Anunciou que faria os contactos necessários para que o Hélder fosse integrado numa unidade multidisciplinar que se iria criar em Bragança. Só por isso já tinha valido a pena a viagem.
E para o fim estava reservado o mais difícil: a psicóloga. Esta senhora desfez todos os nossos sonhos e as nossas ilusões. Infelizmente para nós, com 6 anos de atraso. Foi a primeira pessoa ao longo de todos estes anos que falou abertamente sobre a doença, que respondeu a todas as nossas perguntas e que não teve medo de nos confrontar com o possível futuro do Hélder. Foi ela que nos disse que o Hélder não viria a falar, poderia deixar de andar (infelizmente tinha razão), que ele poderia evoluir ou regredir mas que deveríamos estar preparados para qualquer cenário, por muito mau que pudesse ser. Choramos todos, incluindo a própria psicóloga.
Foi um dos dias mais difícil das nossas vidas mas era um mal  necessário . As nossas vidas desabarão como um castelo de cartas. Perdemos o chão. Perdemos a esperança.
Regressamos a Bragança e foi muito difícil explicar a toda a família que o nosso menino era portador de uma doença tão má. Lembro-me de a minha mãe ter perguntado como era possível um menino tão lindo alojar dentro de si uma coisa tão má.
Passei algum tempo a assimilar a informação. Isolei-me em casa e não queria ver ninguém, muito menos falar. Decidi que não voltaria a ter ilusões ou sonhos. Decidi que daria o meu melhor pelo Hélder e até cheguei a pensar que a psicóloga era uma exagerada.
Tornei-me uma pessoa mais triste, vivendo um dia de cada vez, tal como os médicos tantas vezes tinham dito.
O Hélder entrou para a unidade multidisciplinar com quase 8 anos. Foi muito bem recebido, embora o primeiro mês tenha sido de adaptação, tanto para ele e a família como para todos os profissionais que começaram a trabalhar com ele.
As maiores dificuldades prendiam-se com as crises diárias que ele apresentava e com o facto de ele não possuir qualquer tipo de linguagem. As duas primeiras semanas eu acompanhava-o durante todo o dia, até que as auxiliares se sentiram á vontade para tomar conta dele. Tenho que agradecer a todas as pessoas que cuidaram dele, pois sempre o fizeram com muito carinho e com todos os cuidados possíveis para tornar o seu dia-a-dia mais fácil.
O Hélder continuava com as consultas no Porto e a fisioterapia em Macedo Cavaleiros.
Nas férias de Natal começou a ter crises mais frequentes e mais longas, e começou a auto-agredir-se, procurando qualquer objecto com o qual pudesse magoar-se, por isso foi necessário um novo internamento no Porto para alteração de medicação. Mudamos a medicação quase toda, á excepção do “Diplexil”, começou a tomar “Topamax” mas nada resultava. A última tentativa foi um medicamento manipulado, o “Hidrato de Cloral”, que ainda hoje toma.
Conseguimos acalmá-lo mas passou a estar mais ausente, mais sonolento e menos colaborante nas actividades da escola.
Corria o ano de 1999 e o Hélder começou a demonstrar algumas dificuldades em andar, caminhava colocando os pés virados para dentro, cansava-se com alguma facilidade e pedia colo. Por isso pedi uma consulta de ortopedia.
No dia da consulta fui acompanhada pela minha mãe. Depois de fazer um RX, entramos no consultório médico com o Hélder ao colo. O ortopedista olhou para mim e como se estivéssemos a comentar o tempo comunicou:”Pois é mãe, habitue-se a trazer o Hélder ao colo. Ele vai mesmo deixar de andar”. Os músculos e tendões do Hélder estavam a perder elasticidade, o que fazia com que a marcha fosse difícil e dolorosa.
Mais uma vez senti que me tinham puxado o tapete. Não me conformei e pedi uma segunda opinião. O diagnóstico foi o mesmo, embora o médico tenha sido mais humano e cauteloso.
A pedopsiquiatra (Dra. Elisa Vieira) convenceu-me, a muito custo, que o melhor era pedir uma cadeira adaptada ao Hélder. Muito a contra gosto aceitei e ela fez o pedido. Esta só chegaria a casa 2 anos depois. Enfim, é o país que temos.
Não passou muito tempo até surgir um novo problema. Um dia já o Hélder quase não andava, quando lhe dava banho, notei que as duas unhas dos dedos grandes dos pés estavam com uma cor azulada e estavam doridas. De imediato procurei a pediatra do Hélder, ela observou e concluiu que provavelmente teria sido o calçado que o magoou. Discordei, dizendo que era impossível o calçado tê-lo magoado dessa forma. Foi necessário pedir ajuda a um cirurgião para drenar as unhas do menino. O médico não me deixou estar presente mas a avaliar pelos gritos dele deve ter sido muito doloroso. Voltamos para casa. Algumas horas depois a pediatra telefonou dizendo que eu tinha razão e que o problema estava relacionado com a doença: fibromas periunguiais. As unhas caíram completamente. O problema surgiu por mais duas vezes mas as unhas não caíram porque estávamos atentos e agimos antes que isso acontecesse.





1 comentário:

  1. O seu relato é de cortar o coração de qualquer mãe...
    Lidar com médicos insensíveis e sem cuidados no seu discurso para lhe transmitir as noticias é mesmo muito difícil!!!

    Qualquer mãe perde as forças nestes momentos...
    Mas a sua coragem ultrapassa qualquer barreira!!

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